Game’s up dude !
- Pedro Rodrigues
- 26 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
A frase costuma ser Surf’s up dude!, mas o texto de hoje permite a respectiva adaptação. Alguns de vocês já terão notado a menor qualidade gráfica da imagem que acompanha o texto, certo? É verdade para os dias actuais, mas não em 1987. E o texto de hoje vai levar-nos a fazer uma viagem no passado.
Corria o ano de 1987. O Martim (nome fictício) de 16 anos ia terminar as aulas no início de junho para se preparar para os exames que iriam ocorrer no final do mês. E depois disso chegariam as tão merecidas férias.
Os pais já tinham dito que este ano ia ser diferente em relação ao uso das tecnologias nas férias. Lembraram de forma vincada os episódios ocorridos no ano anterior. Disseram ao Martim que teria obrigatoriamente de escolher uma actividade física para o período de férias. Depois de alguma procura o Martim escolheu o Califórnia games.
Para quem não conhece o Califórnia games é um jogo electrónico jogado em computador ou em consola. E computadores era coisa que não faltava em casa do Martim, até porque ambos os pais eram informáticos.
Mas quando é que no texto se chega à ideia fundamental, perguntam-se? Calma, este texto vai falar do período de férias e de como preparar da melhor forma este período. E para isso, a pressa ou a ansiedade não são bons conselheiros.
Tal como já tinha escrito, os pais do Martim tinham avisado sobre as dificuldades do Martim em usar as tecnologias. Os pais sentiram que não tinham colocado nenhum tipo de restrições e além disso tiveram maiores dificuldades eles próprios em conseguir ajudar a programar esse período e a conseguir fazer alguma supervisão sobre os acontecimentos.
Martim por si só já tinha demonstrado algumas dificuldades em fazer outra coisa que não fosse ligado às tecnologias. Antes disso tinha demonstrado muito pouco interesse e motivação em explorar outras actividades de lazer. Atividades desportivas era algo que o Martim nem queria ouvir falar, até porque já lhe bastava Educação Física durante o ano lectivo. Além disso, o próprio Martim também parecia não demonstrar muita vontade e à vontade em procurar outras crianças e jovens da sua idade. Durante o ano até ia participando em algumas actividades com os colegas na escola. Mas tal como o Martim costuma referir - Isso é normal durante o período da escola. Não me faz sentido durante as férias! Além disso o Martim ia demonstrando algumas outras características e não é por acaso que os seus pais já tinham procurado em determinada altura levar o Martim ao Neuropediatra para ver o que se passaria consigo. Na altura disseram que poderia haver algumas características que merecessem ser vigiadas, mas que não havia nada que fosse conclusivo para um diagnóstico.
Mas aquele ano de 1987 iria ser diferente. E iria ter muita coisa. Nomeadamente o diagnóstico do Martim de Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento sem outra especificação. É porque em 1987 tinha ocorrido a revisão da DSM III e a entrada do diagnóstico de autismo em 1980 com a DSM tinha sofrido algumas alterações para poder ser mais abrangente em alguns dos critérios de diagnóstico. É porque o Martim sempre teve dificuldades ao nível da interacção e da comunicação social. E os seus interesses pareciam centrar-se em exclusivo nas tecnologias.
Como podem ver esta questão do uso problemático da internet e das tecnologias não é de agora. Já nos anos 80 do século XX havia dificuldades a este nível, isto apesar de ainda não se sonhar em vir a haver um diagnóstico de adição aos videojogos pela internet.
E o Martim nem sequer sonhava na Amiga que ia fazer no final daquele verão, mais precisamente uma Amiga 500 (para quem não sabe é um Pc).
Mas vamos lá voltar à preparação das férias do Martim. Aquilo que é importante poder partilhar com muitos pais com crianças e jovens com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.
Parece fundamental começar por dizer que o poder jogar é uma actividade positiva e deve ser reconhecida como prazerosa e que pode inclusive ajudar a aproximar de outros colegas/amigos/outros jogadores. Contudo, é fundamental que esta não seja a única actividade a realizar. Nem ser realizada durante um período seguido superior a 1 hora. Sendo crucial poder intercalar com outras actividades. Para tal, parece necessário haver alguma preparação prévia e de preferência que possa ser feito em conjunto com a criança/jovem no sentido de os envolver na própria actividade. E ainda que já tenha dito que o Martim não tenha outro interesse para além das tecnologias é fundamental poder facilitar a experimentação de outras actividades. Certamente que não será uma tarefa de resolução fácil, mas é possível. Nestas situações é importante poder contar com a ajuda de um profissional que possa inclusive acompanhar a criança/jovem e possa ser um mediador neste processo de pesquisa.
Além disso é fundamental que as horas de jogo possam ser adequadas. Até porque um dos aspectos igualmente presentes no espectro do autismo são as dificuldades na esfera do sono e da forma como isso poder contribuir para a desregulação comportamental e emocional. Além disso há que pensar que o período de férias está prestes a começar, mas em meados de setembro irão retornar as actividades lectivas. E com estas a necessidade de haver um ajuste nos horários. E muitos dos pais com crianças/jovens no espectro sabem o quanto é difícil estes ajustes/desajustes.
Além disso há que lembrar que estamos a falar de um comportamento que tem uma maior probabilidade de se tornar numa adição. E no caso das crianças/jovens do espectro do autismo e ainda mais aquelas que apresentam uma condição psiquiátrica de Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção associada, a probabilidade ainda é maior. E como tal os riscos leva a um conjunto de cuidados redobrados.
Pedro Rodrigues (Psicólogo clínico) nos núcleos de Intervenção no Comportamento Online & Perturbações do Espectro do Autismo.

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