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O Cyberbullying vence por KO

Hoje convidaram-me a desempenhar uma função diferente do habitual. Vesti o uniforme e fui arbitrar uma luta de titãs. 

Senhoras e senhores bem-vindos ao confronto do ano. Dois pesos pesados que se vão defrontar neste ringue. Façam as vossas apostas, ajeitem-se nos vossos lugares e recebam com uma ovação os protagonistas desta noite.


No canto azul, conhecido de todos há imenso tempo, o denominado Millennial. Dêem as boas-vindas ao dominador Bullying cujos golpes têm um impacto sobejamente conhecido. Muitos que o defrontaram ainda hoje se recordam do embate. De rosto destapado lá vem ele cheio de si. Façam barulho!

No canto vermelho, de rosto parcialmente encoberto, o denominado Gen-Z. Aparentemente mais franzino e com menos poder físico, mas não menos ameaçador…eis o nosso candidato ao título. Recebam com entusiasmo o Cyberbullying.


Os atletas aproximam-se, cumprimentam-se no centro do ringue e olham-se de forma intensa e a procurar intimidar o adversário.  A campainha toca e dá-se início ao primeiro assalto. O Bullying toma a iniciativa e ataca com um soco directo, o ataque habitualmente circunscrito ao espaço e horário escolares. O Cyberbullying desvia-se do ataque com destreza e engenho e contra-ataca pulverizando os limites temporais e espaciais com uma manobra chamada “uma vez na Net para sempre na Net”. Um golpe com impacto imediato, mas também de efeito prolongado.

O Bullying encaixa o golpe e recompõe-se de imediato, afinal de contas nunca virou a cara a uma boa luta e este adversário parece ser facilmente derrotado. Tal como em outras ocasiões, também aqui são desferidos golpes sob o olhar atento dos espectadores.  O Cyberbullying não se desvia a tempo e é atingido de relance. Alguns segundos para recuperar a posição e desfere um golpe manifesto e à vista de todos e um outro mais furtivo e sub-reptício e que poderá tornar-se viral. Um conteúdo que certamente será visto e revisto milhares de vezes. Um golpe com um número potencialmente ilimitado de espectadores. Quem diria que o Cyberbullying teria no seu reportório um golpe assim?!


O Bullying balanceia e afasta-se para ganhar ímpeto, mas a campainha soa e os lutadores afastam-se. Cada um no seu canto, são sopradas indicações para o segundo assalto e afinadas as estratégias. De repente o som da campainha anuncia que estão de regresso ao combate. Medem-se forças e o Bullying inicia uma sequência de agressão à qual o Cyberbullying não se consegue esquivar na totalidade, mas algo fez parar o Bullying. Um pedido para parar vindo da plateia e uma troca de olhares entre os lutadores. O Bullying pára um segundo… talvez a agressão tenha ido longe demais e a campainha soa novamente. Mais uma pausa e mais um momento para se analisar o adversário. Os pontos fracos e os danos já causados. 


Ainda há mais um round e o Cyberbullying decide usar o trunfo. A campainha volta a tocar e desta vez o Cyberbullying passa ao ataque. Embora fisicamente parecesse em desvantagem, mostra que afinal os lutadores não se medem aos palmos. Um David e Golias dos tempos modernos. O ataque foi demolidor, um combo de anonimato, conteúdos privados e passíveis de causar dano e possibilidade de ocorrer em qualquer lugar. A isto seguiu-se um conjunto de golpes secundários a cada visualização e a cada partilha e o Bullying começa a perder o equilíbrio. Um ligeiro tropeçar, o baixar a guarda e o golpe final desferido através de um ecrã. O Bullying cai ao chão. A campainha toca e assinala o final do combate. O clicar no botão sair. O Cyberbullying venceu por KO.


Uma narrativa que mais não serviu para salientar que embora sejam fenómenos semelhantes, o Cyberbullying parece apresentar uma vantagem face ao Bullying, conforme o conhecemos. Ao invés de ficar habitualmente limitado ao contexto escolar, do(s) agressor(es) ser(em) conhecido(s) e dos espectadores serem em número limitado, o Cyberbullying pode ocorrer potencialmente em qualquer lugar e o contexto virtual fomenta episódios de vitimação em directo e a sua repetição em diferido. Acresce ainda a possibilidade de anonimato do(s) agressor(es) e ainda o número de espectadores ser também ele impossível de circunscrever. Desta forma, o Cyberbullying parece ser uma versão revista e aumentada do Bullying, partilhando características e consequências, mas cujos efeitos são, ou poderão ser, mais intensos.



Talvez possamos evitar embates destes. Está ao nosso alcance lutar contra a agressão seja ela real ou virtual. Os impactos do Bullying e do Cyberbullying são nefastos e acarretam consequências sérias para a saúde física e mental das vítimas. Também para os agressores. Que a campainha toque uma vez mais mas para nos alertar que a nossa luta está apenas a começar.


Mário Veloso, psicólogo clínico do NICO e da Consulta de Perturbações da Personalidade e Perturbações de Ansiedade em Adultos do PIN Partners in Neuroscience (mario.veloso@pin.com.pt)

 
 
 

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